8 de ago. de 2012

DE INFANCIA E DE SAUDADES DA TERRA.

De infância e de saudades da terra

“Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento. Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo: “Coitado, até essa hora no serviço pesado”. Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente. Não me falou em amor. Essa palavra de luxo”. (Poema Ensinamento, Adélia Prado)

            Muitos, como eu, nasceram e viveram a infância na roça. Eu sinto orgulho de ser um filho da roça, porque a vida no “interior” me ensinou valores muitíssimo finos e refinados. Na companhia de árvores frutíferas, animais, nascentes, riachos e lavouras, as pessoas que lá residem formam verdadeira comunidade. Comunidade quer dizer comunhão, integração, relação. Esta comunhão se perdeu na vida urbana atribulada e estressante. Todo o tempo na cidade tem que ser um tempo ocupado. Não temos mais tempo para curtir o próprio ritmo (do tempo).
Roça é um lugar de fartura, mas também de muito trabalho. Iludem-se aqueles que pensam que uma “chácara” é um lugar maravilhoso sem dar muito trabalho. Para quem não pode oferecer seu trabalho, terá de ofertar dinheiro para que alguém cuide, zele e organize o ambiente, para poder desfrutá-lo lindo, aconchegante e organizado. Neste sentido, não podemos romantizar o trabalho de quem cuida da terra; é preciso reconhecê-lo e valorizá-lo com a grandeza que ele merece.
            Quantos, como eu, matam saudades de sua terra visitando propriedades que ainda resistem em levar adiante um estilo de vida interiorano! Colhem, no inverno abundante das frutas, o sabor de suas saudades e recordações. Visitam matas, riachos, casas, salões comunitários, em busca de algo que um dia deixaram para trás: a simplicidade e a compaixão pela terra.
            Como ilustram os versos acima, os valores da roça confundem-se com as necessidades mais imediatas de quem lá reside e faz de seu trabalho e suor o próprio modo de vida. Os pequenos agricultores ou camponeses ainda preservam os valores da gratuidade e da reciprocidade que aprenderam na relação com os outros, com a natureza e com o mundo. Nem tudo na roça tem preço, mas tudo na roça tem o seu valor.
            As relações com a natureza, particularmente através das semeaduras, reservam ao homem e à mulher do campo a noção do tempo, que é a mesma noção da paciência. Quem espera colher, precisa saber esperar. Quem espera colher, precisa pacientemente acompanhar a renovação da vida em cada amanhecer e em cada anoitecer. Quem deseja recuperar a terra, precisa investir insumos, cuidados e tempo.
            Só podem sentir saudades aqueles e aquelas que já experimentaram a vida da roça. Para estes, são necessárias brechas em sua conturbada agenda urbana para cultivar flores, frutas, hortaliças, chás, verduras. Não há nada mais contagiante e gratificante do que o alvorecer de vidas que dependem de terra, de ar, de água e de cuidados pacientes e permanentes.
 A natureza nos permite a compreensão da própria existência. A vida na roça nos fornece importantes aprendizagens sobre os próprios desafios do ser humano. Valorizando a terra, estaremos sempre valorizando a nossa dimensão de humanidade e dignidade.

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

4 de ago. de 2012

Politica, Politicos, Exercicio do Poder


Políticos: por virtudes ou oportunismos.

 “Não somos anjos em voo vindos do céu, mas pessoas comuns que amam de verdade. Pessoas que querem um mundo mais verdadeiro, pessoas que unidas o mudarão”. (Gente, de A. Valsiglio/Cheope/Marati).

Muitos de nós gostaríamos que os políticos fossem anjos. Se assim fosse, estariam imunizados de todas as situações e oportunidades que não promovem o bem comum e a prática da bondade. Mas os políticos, assim como cada um de nós, não são anjos e sim, humanos, também não perfeitos. A política não é um espaço para a ação de anjos, mas o espaço de disputa dos mais diferentes interesses que estão em jogo na sociedade. A disputa destes interesses é legítima, desde que os mesmos estejam sempre bem explicitados, para que todos saibam o que move os candidatos quando se propõem a representar os interesses da população.
 As contradições no exercício do poder estão sempre presentes nos movimentos que operam a política. Os políticos posicionam-se a partir das conjunturas e contextos de cada momento, das articulações e negociações que são possíveis para aprovar os projetos que estão em pauta, das forças sociais que estão mobilizadas em cada momento histórico. É natural que joguem com seus interesses pessoais, mas é inaceitável, numa democracia, que estes interesses sobreponham-se aos interesses coletivos.
As agremiações partidárias (partidos) expressam e materializam os projetos de sociedade que estão em disputa nas cidades de nosso país. Estes projetos traduzem-se em propostas concretas de como governar, de como construir as políticas públicas, de como distribuir a renda, de como construir oportunidades de desenvolvimento das nossas cidades e da própria nação. Há então que se discernir a diferença entre votar em pessoas ou votar em projetos, que embora “sempre juntos e misturados”, traduzem-se em diferentes consequências. “O voto não tem preço, mas tem consequências”. Por isso mesmo, é possível contemporizar as posições e atitudes pessoais dos candidatos com os projetos que os mesmos representam, observadas as circunstâncias e as intencionalidades em que ambas acontecem.
Os candidatos não representam a si próprios, mas representam interesses que estão em disputa na sociedade. Talvez fosse melhor sermos governados por anjos, seres sobrenaturais imunes a qualquer interesse mundano. Como não é possível, cabe a cada um e cada uma avaliar o projeto com o qual cada um dos candidatos está comprometido. Neste projeto, o compromisso com a vida humana, com a sociedade e com as virtudes é o bem maior que deve ser resguardado, pelos candidatos e pela gente.


Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos