12 de nov. de 2014

Entre a seriedade e a piada

Entre a seriedade e a piada

“As sociedades e seus respectivos governantes que não tiverem clareza do valor da educação e dos educadores comprometem o futuro destas mesmas sociedades” Gabriel Grabowski, professor.
A política é apaixonante porque mexe com nossas vidas. Quem viveu sabe que existem diferentes experiências e formas de governar. Sabe que uma eleição pode decidir uma vida, nossas vidas, o futuro de nossa profissão. É o caso dos professores do Rio Grande do Sul. Os candidatos a governador, neste segundo turno, possuem diferentes visões sobre a educação e a valorização dos professores. Na democracia, temos de usar nossas possibilidades de manifestação, para a defesa dos interesses dos professores, dos estudantes e da comunidade. Professores comprometidos com a sua profissão e com a qualidade da educação não aceitam piadas sobre uma de suas mais recentes e importantes conquistas: o Piso Nacional.
Tarso Genro admite que ainda não paga integralmente o Piso Nacional dos Professores, mas que o fará, no próximo governo, a partir da recomposição de receitas novas: os royalties do petróleo. Porém, concedeu importantes reajustes e fez promoções de professores e funcionários que há muito tempo não vinham sendo pagas. Na lógica da não retirar direitos, não cogitou e nem sinalizou mexer no nosso Plano de Carreira. Voltou a investir com mais vigor na recuperação física de nossas escolas e na informatização das mesmas. Voltou a ter um programa de formação permanente e continuada dos professores. Aderiu a todos os programas federais do Ministério da Educação para somar-se ao esforço nacional de recuperar a escola, pública e de qualidade.
José Ivo Sartori, candidato de oposição revelou, com sinceridade, o que lhe parece ser a única solução para o impasse do pagamento do Piso Nacional dos Professores: mexer com o Plano de Carreira dos Professores. A afirmação foi feita ao CPERS no dia 11 de setembro de 2014. Assim disse: “e só arrumar o dinheiro. Onde é que vai arrumar? Ou temos todos boa vontade ou vamos ficar nesta postura antiga de continuar com o conflito, sem diálogo, sem entendimento, sem aproximação, sem nada”. Suas propostas para a educação têm pouco conteúdo e quase nenhuma forma. Insinuou com “metas de qualidade”, que parecem ser a meritocracia. Falou do ensino de línguas (alemão, italiano, espanhol). A sua proposta inicial era o diálogo com os professores; agora é o deboche e a piada de mau gosto pelo Piso Salarial dos Professores.
Ora, a educação e a valorização de seus profissionais não é uma questão de boa vontade nem a falta de dinheiro é um problema dos professores. Este é um problema do Estado do Rio Grande do Sul. Quem quer governá-lo deve buscar as soluções, sem redução dos direitos e conquistas que estão concretizadas em nosso Plano e que foram alcançadas nas nossas valorosas lutas de magistério. Não há como admitir que mexam em  direitos e conquistas em nome de uma promessa do Piso Nacional do Magistério. Candidatos devem apontar a lógica de preservar direitos e conquistas, não de retrocessos!
Para priorizar a educação é preciso valorizar os professores, a partir da remuneração e da qualificação profissional, sem retroceder nos direitos. O Plano de Carreira é a nossa vida funcional e profissional. Jamais admitiremos retirada de direitos! Este é um dos grandes riscos dos professores e professoras nesta eleição.
Entre a seriedade e a piada pode estar a nossa virtude, já apontada pelos gregos. Sartori conheceu filosofia na sua formação e sabe disso! Parece que está vivendo estimulante prazer ao “desapontar” os valorosos professores e professoras do Rio Grande do Sul. E nós, faremos o que?

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

11 de jul. de 2014

Derrota da Seleção, não do Brasil!

Derrota da Seleção, não do Brasil!

Na Copa do Mundo 2014, o povo brasileiro está jogando um bolão! Como nenhum povo e cultura no mundo, soube acolher e aplaudir os milhares de turistas que aqui vieram se divertir, comemorar e integrar-se com nossa cultura. Soubemos, como ninguém, aplaudir o bom futebol, cultivar os melhores relacionamentos e respeitar a diversidade cultural do mundo que passou por aqui.

Soubemos valorizar a nossa cultura e a nossa história. Sem medo de expor as nossas contradições, mostramos o melhor que temos e manifestamos ao mundo o orgulho de ser brasileiros.

A Seleção brasileira não jogou o melhor futebol e, no jogo com a Alemanha, decepcionou geral. Mesmo assim, com esportividade, os jogadores e o técnico Felipão souberam reconhecer os erros e admitir o fracasso.

O Brasil sairá desta Copa muito maior do que entrou nela. Revigoramos as nossas esperanças e, podem apostar, o futuro pertencerá a todos aqueles e aquelas que verdadeiramente acreditam no Brasil e que se dispõem a lutar por mais conquistas e cidadania. 

As aventuras de uma má escalação e formação da Seleção brasileira deixemos na conta de Felipão. As escalações da política, no advento das eleições gerais de outubro, os brasileiros saberão fazer, sem sobressaltos e sem falsas ilusões.

Nossa democracia se consolida com o orgulho, a coragem, a luta e a disposição de dos brasileiros que querem fazer o Brasil avançar sem retroceder. O povo é sábio porque não deixa que lhe tomem a esperança. Quem viver, verá! "Brasileiros não desistem nunca"!

(Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos)

2 de jul. de 2014

COPA DO MUNDO - MAIS BRASIL

Mais Brasil”
            Desde a Copa de 98, escrevo sobre a realização das Copas do Mundo e a participação da Seleção Brasileira neste grande evento esportivo. Acredito que estádios de futebol representam para os brasileiros “espaços de construção de identidade, de cultivo de bons valores humanos e espaço para viver e experimentar os melhores relacionamentos”. Acredito que, em todas as Copas do Mundo, brasileiros e brasileiras fazem uma revisão de si mesmos, jogando com seu orgulho, sua cidadania e seu amor à Pátria como componentes fundamentais da identidade brasileira.
Em 2014 não faltaram aqueles que quiseram ensinar um novo jeito de torcer por esta nação e pelo futebol brasileiro, sendo contra aquilo que vem de nossa alma e nossa essência: o gosto pelo futebol. Mas “erraram o pulo”, pois para a imensa maioria, o futebol reflete as diferenças, os potenciais, os talentos e a criatividade. O futebol representa muito do nosso povo, de sua postura e de sua vontade de vencer e apresentar-se ao mundo.
O Brasil não precisa mais impressionar ninguém, em nenhum quesito, muito menos no futebol. O Brasil deve se fazer respeitar por tudo aquilo que tem de bom e todos os brasileiros deveriam orgulhar-se do país que somos. Esta é a atitude fundamental para continuarmos lutando, diariamente, por um Brasil cada dia melhor. Este imenso país possui um povo que não pode ser subestimado por sua inteligência, criatividade e ousadia.
O falso pessimismo que tentaram imprimir neste país tem a ver com a resistência às mudanças substantivas que ocorreram no Brasil nos últimos anos, para a maioria dos brasileiros. Tem a ver com a ampliação das possibilidades democráticas de vivermos a cidadania, nem sempre bem vistas por aqueles que se sentem donos desta nação. Tem a ver com um novo e importante advento que se aproxima: as eleições gerais.
Os brasileiros provam, mais uma vez, que a maior riqueza está na garra, na fé e na esperança que se fazem na luta cotidiana de cada cidadão e cidadã brasileira. Os brasileiros manifestaram que querem mais do que já conquistaram, mas sabem que não existem mágicas nem ideias “mirabolantes” que irão mudar o percurso da ampliação de sua cidadania.
Emprestamos nossa terra, nossa altivez e nossa cultura para a realização do maior espetáculo do mundo. Sem medo de expor ao mundo nossas contradições, durante a realização da Copa do Mundo, fomos nos alimentando daquilo que mais temos de bom. Apesar de excessos de uma minoria, unimos os nossos sentimentos de brasilidade nos mais equidistantes rincões e comunidades deste país.
A Copa do Mundo pode não trazer título à nossa Seleção, mas já nos trouxe de volta o que queriam nos tomar: a fé e a esperança de que nosso país vai dar certo! Brasileiro de verdade acredita no Brasil e age nas horas certas. Sabe que este país tem uma enorme dívida com a cidadania e com a falta de oportunidades para com a maioria dos brasileiros: pobres, explorados, sem estudo, sem trabalho, sem saúde, sem dignidade. Esta conta quem vai pagar é a nossa rica nação brasileira e quem deve exigir é a organização e a luta da coletividade, agora alimentada por um sentimento de “mais Brasil”.

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

14 de jun. de 2014

Educar é cuidar

Educar é cuidar

“Deus é alegria. Uma criança é alegria. Deus e uma criança têm isso em comum: ambos sabem que o universo é uma caixa de brinquedos. Deus vê o mundo com os olhos de uma criança. Está sempre à procura de companheiros para brincar”. (Rubem Alves)
As crianças, nos seus diferentes níveis, idades e particularidades, projetam nos adultos suas referências de vida. Os pais, mães, professores e professoras exercem papel fundamental na afirmação do mundo das crianças. Desta forma, ao afirmar o seu mundo de criança, consolidam também suas percepções do mundo adulto. As crianças também ensinam que a gente não deve esquecer o nosso mundo de criança.
Os professores e professoras já foram crianças e guardam na memória os cuidados e a atenção que lhes foram dispensados quando ainda pequenos. Por isso mesmo, exercem, pela educação, uma relação de confiança e trocas, que deve ser sempre pautada pela coerência, pelo compromisso e pelo exemplo. As crianças até perdoam erros por palavras, mas não erros por atitudes.
Os adultos não perdem seu mundo criança. Com o mesmo carinho e apreço que se referem às crianças, as autoridades da educação deveriam tratar os seus professores e professoras. Não para tratá-los como crianças, mas para fortalecer os esforços e a dedicação que estes exercem, cotidianamente, com todas as crianças.
Uma rede municipal de educação que declara como prioridade o cuidado com as crianças deveria fortalecer uma identidade maior em torno de suas escolas. O uniforme escolar dará uma identificação maior às crianças de uma mesma rede de ensino, o que não significa identidade. Mas o que dará a identidade para a nossa educação? O que poderia fortalecer ainda mais os laços e vínculos entre os pais, os alunos e os professores, em torno de uma rede municipal?
O cuidado com os professores e professoras é um dever das redes de ensino.  O cuidado e o respeito às crianças é um compromisso de todos! Uma escola acolhedora, inclusiva e que promova os direitos das crianças é uma responsabilidade que os professores e professoras devem compartilhar com todas as autoridades e com as comunidades.
Educar é cuidar. Aprender é um direito! Cuidar das crianças é assumir compromissos com uma escola que seja “lugar de vivência de direitos” e lugar de significativas aprendizagens. A qualidade de ensino, nesta perspectiva, passa pela responsabilidade da gestão municipal. Esta qualidade deixa a desejar quando ainda há falta de professores e quando as crianças ainda não estão suficientemente acomodadas para brincar, aprender e ser feliz.
Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

26 de mai. de 2014

Eleições e Democracia

Democracia dos professores

Os homens constroem paredes demais e pontes de menos (D. Pire)

A escola pública e democrática, bem como as eleições que escolhem os representantes da categoria dos professores e professoras é hoje uma conquista institucionalizada, mas que, na prática, ainda está longe de ser realidade plenamente vivenciada nas escolas e nos sindicatos ou associações de professores. Embora os professores sejam as grandes referências para a cidadania e a luta por direitos para os seus alunos, nem sempre estes tem uma ação politizada eficiente quanto tratam de organizar os seus interesses e oas interesses da educação.
A crítica maior que podemos fazer aos sindicatos de professores é que estes centraram sua atuação apenas nas reivindicações salariais, deixando de atuar de forma mais ampla na perspectiva da educação. Os sindicatos se transformaram em máquinas administrativas anti-governos, descuidando dos interesses mais imediatos e significativos da vida funcional dos professores e da educação, de maneira geral.
Não são mais os professores que debatem a educação. O descuido para com as questões mais amplas e mais complexas da educação gerou um grande vácuo, agora ocupado por outros especialistas, de outras áreas, como economistas, sociólogos, filósofos. É inegável que eles tenham algo a dizer sobre a educação, mas suas reflexões não refletem o cotidiano da complexidade do dia a dia da educação.

As escolas são grandes laboratórios de exercício de poder. Cotidianamente, através das relações interpessoais, elas administram as suas tensões internas, fortemente influenciadas pelo poder externo (dos governos e da comunidade). E os professores, peças chave desta engrenagem, nem sempre são considerados em suas dimensões humanas e como sujeitos de sujeitos. Professores não são números. Professores são sujeitos, seres humanos, com suas opções pedagógicas e ideológicas. O exercício de seu ofício não lhes permite neutralidade, pois a educação é, por natureza, um ato político. Suas práticas pedagógicas resultam de suas trajetórias pessoais, de seus compromissos com o ser humano e de seus conhecimentos e aperfeiçoamento profissional.

Ao escolher os seus representantes, os professores deveriam escolher dentre aqueles que, além de competências técnicas e de organização sindical e política, sejam capazes de construir “mais pontes e menos paredes”. Que pensem o Sindicato ou a associação de professores como uma estratégia de valorizar seus professores, articulando-se com outras entidades a fins de promover mudanças substantivas na educação. Que utilizem o Sindicato para representar verdadeiramente os professores, não os interesses pessoais ou de partidos políticos.

O exercício do poder democrático é um dever e um legado que os professores podem deixar para a sociedade como um todo; esta é sua contribuição para a consolidação da democracia no Brasil.


Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

21 de mai. de 2014

Educar faz diferença.

Educar faz diferença.

Uma das mais importantes descobertas como educador ocorreu faz pouco tempo. As salas de aula de nossas escolas parecem de poucas novidades, riquezas ou descobertas. Felizmente, os seres humanos, por sua capacidade intelectiva e criativa, ainda sabem surpreender-se. Ainda permitem reagir diante do incomum. Ainda podem crescer e avançar.

Numa sala de aula de Ensino Médio Politécnico disse, espontaneamente: “hoje gostaria de dizer da minha felicidade pelo que aconteceu na semana passada nesta escola”. Sem perder tempo, um aluno interrogou: “Professor, como é diferente ouvir um professor falar bem de nossa escola. Eu nunca ouvi nenhum professor dizer de sua felicidade por estar nesta escola”. E eu disse a ele: “Sempre gosto de me sentir bem onde estou. Independente da escola, desejo me sentir bem. Gosto de dar aulas, gosto dos alunos do jeito que são. Gosto da escola do jeito que ela é. E por me sentir tão bem assim, faço o possível para que esta escola seja melhor ainda”. Mais alunos se manifestaram, dizendo que não gostam de sua escola, que sua escola poderia ser melhor.  Constatei que havia despertado em toda a sala um sentimento novo e diferente, capaz de gerar novos conhecimentos e novas interpretações da realidade.

Passado o fato, pus-me a pensar na importância do acontecido. Dei-me conta do quanto é importante para os alunos os professores falarem o que pensam. Dizerem quanto gostam deles. Falarem o quanto a escola é importante para a vida de cada um. Dizerem o quanto as pessoas da escola se importam com eles. Dizer-lhes quanto é importante exercer cidadania, reivindicando uma escola pública de qualidade, mais segura, conservada e bem cuidada. Falar-lhes que a escola pode ser um lugar onde se faz amigos, como queria Paulo Freire. Dizer-lhes, vivendo e comprovando que a escola é uma comunidade, que permite que cada um, e todos, coletivamente, possam exercer a convivência e encaminhar as suas escolhas.

Nestes mais de dez anos de profissão, tenho feito muitas descobertas com os meus alunos, mas esta, em especial, torna-se cada vez mais “preciosa”. Se até agora expressar verbalmente meu prazer de dar aulas e gostar dos alunos e da escola era um hábito recorrente, agora se tornará uma “ação intencionada”. Desejo uma escola com qualidade social e humana, que acredita no conhecimento como a melhor forma de emancipar as pessoas. Alguém será contrário?

Não julgo nem condeno colegas professores que tem muitas dificuldades de expressar os seus melhores sentimentos para com os seus alunos. Penso que poderiam observar o que eles trazem como expectativas a partir das quais podemos exercer nossa função de educadores. Acredito que muitas necessidades humanas podem ser atendidas e satisfeitas na nossa escola através da escuta, da consideração, da valorização de cada ser humano, do elogio, do diálogo e da conversa, do desafio para a organização pessoal e coletiva, do despertar dos sonhos e do gosto pela vida.

Nosso desafio maior é humanizar-se, na relação com os outros. Quando a gente permite conhecer e reconhecer os outros, torna-se sujeito de sua história e das histórias dos outros. Quando acredita que educação pode transformar as pessoas e a sociedade, começa a fazer alguma diferença na vida de nossos jovens educandos.

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

16 de mai. de 2014

Humanidade atropelada

Humanidade atropelada

“Enquanto o tempo acelera e pede pressa, eu me recuso, faço hora, vou na valsa...a vida é tão rara” (Lenine)
O trânsito de nossas cidades revela o nosso comprometimento pessoal e coletivo com a esquizofrenia e a imposição dos números. Passo Fundo, cidade do norte do Rio Grande do Sul, vive em 2014 a supremacia dos números, de carros. Segundo estudo do arquiteto e urbanista desta cidade, Daniel Bueno, nossa cidade dobrou o número de carros em relação ao número de habitantes, no período de 2006 a 2009. Estarrecedor!
Cabe então uma singela reflexão sobre o porquê da supremacia das máquinas e dos motores. O fato é que reduzimos nossas vidas a uma competição com o tempo. O que é a pressa senão a pretensão de reduzirmos tempo? O que é a correria senão querer fugir do lugar para chegar a lugares, e mais lugares? O que é a velocidade senão acelerarmos nossa louca correria.
Tudo corre muito ligeiro, mas o percurso e o desenrolar da vida segue regular. O tempo foi inventado pelos homens, mas a vida não. Enquanto aceitarmos que os números se imponham ao ritmo natural da vida, continuaremos lamentando o número de vítimas.
Aliás, o que são as vítimas além de números? Não nos assusta mais saber que, em apenas 05 meses do ano de 2014, 21 pessoas perderam suas vidas no nosso trânsito. Para ficarmos nos números, em 2013 foram 18 mortos. O que é que são 18 ou 21 pessoas mortas? O que elas representam diante de um total de quase duzentos mil habitantes?
Concordo com a afirmação das autoridades do trânsito de nossa cidade, de nosso estado e de nosso país de que os motoristas e pedestres são parte da culpa dos nossos acidentes. Que boa parte dos acidentes poderia ser evitada (sempre se...). Mas não posso ficar na mera constatação sem perguntar pelas causas. As causas, todos nós devemos investigar.
Cadê a nossa humanidade? Será que ela foi atropelada pelos números?Será que a organização do trabalho, da economia e do cotidiano das nossas cidades não está nos levando a uma mais completa loucura? Dizemos sempre que estamos correndo, mas nem sempre sabemos para onde nem atrás de que.
Fiquei pensando no que é mesmo esquizofrenia. Pesquisei e descobri que esquizofrenia é uma doença psiquiátrica endógena, que se caracteriza pela perda do contato com a realidade. A pessoa pode ficar fechada em si mesma, com o olhar perdido, indiferente a tudo o que se passa ao redor ou, os exemplos mais clássicos, ter alucinações e delírios. Ela ouve vozes que ninguém mais escuta e imagina estar sendo vítima de um complô diabólico tramado com o firme propósito de destruí-la. Não há argumento nem bom senso que a convença do contrário.”. (Dr. Dráuzio Varella, médico psiquiatra).
Concluí então que transito pode combinar com esquizofrenia. Não é louco?
(Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos)

11 de mai. de 2014

Amores de Nossas Mães

Amores de Nossas Mães

          Escrever sobre o amor de nossas mães é um grande desafio. O amor materno é sempre sagrado, capaz de abarcar as dimensões humanas mais ricas e contraditórias. Sua pureza se confunde com amor radical, mas nem sempre compreendido por sua incondicional capacidade de perdoar, reatar, reconsiderar, reaprender a viver do jeito que é possível, apesar dos pesares.
          Somente as mães conhecem realmente seus filhos e suas filhas. Por conhecê-los tanto e tão bem, são capazes de reconhecer seus desejos e potencialidades, mas também seus limites e fragilidades. Não raras vezes, são mal interpretadas, porque dedicam mais atenção e apoio para um dos seus filhos ou filhas que, justamente, o que mais necessita de sua ajuda e presença.
          Nossas mães aprenderam e ensinaram que ser justo é dar a todos e todas as mesmas medidas, as mesmas proporções, dividindo tudo em partes iguais. O bolo de mãe, o melhor de todos, é sempre dividido em partes iguais para cada um de seus filhos e filhas. Parece que esta é sempre a fórmula mais justa de dividir os bens e artigos que possuem materialidade. Mas valerá esta mesma regra para “distribuir” carinhos, afagos, apoio e atenções? Para as mães, não. Para os filhos, sim.
          Sem perceber, nossas mães fortaleceram nossos egoísmos e caíram numa cilada que, não raras vezes, volta-se contra elas à medida que os filhos, sempre diferentes, exigem que sejam tratados de maneira igualitária. Mas como tratar de forma igual filhos tão diferentes, com diferentes necessidades de compreensão, de apoio, de ajuda de todas as ordens, inclusive ajudas financeiras?
          Em toda família com mais de um filho há um que precisa de uma presença, vigilância e cuidado maior do que o outro. Não é verdade que as mães amam diferente a cada um de seus filhos ou filhas e amam em diferentes intensidades, mas é fato que as mesmas dedicam-se aos filhos na proporção da necessidade que os filhos revelam para elas. Por isso mesmo, não se justificam as birras e incompreensões para com elas.
          Não adianta a gente querer esconder de nossa mãe aquilo que a gente é. A mãe da gente não precisa de faro, nem de varinha mágica para descobrir o que se passa com a gente. Seu olhar e sua presença transpassam a nossa vida, tornando-a uma extensão.
          Celebremos, pois, o amor sagrado de nossas mães. Saibamos reconhecer que o bem maior, nossa vida, foi gerado por elas. Saibamos reconhecer que, com a pureza de seu amor, as mães jamais seriam incapazes de atrapalhar os nossos planos, desde que estes, uma vez verdadeiros, nos ajudem a ser o que somos.
         Todas as mães são únicas e a são a seu modo por conta de nós, seus filhos. Elas nos geraram, mas não puderam prever como a gente seria. Embora insistam em dividir o bolo em partes iguais, por força do hábito, elas nos provam que fazer justiça não é dividir em partes iguais, mas dar a cada um e cada uma conforme as suas necessidades.
          Vida longa e saudável a todas as mães brasileiras!

(Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos)

7 de mai. de 2014

Brasil e sua renda

Brasil e sua renda

O Brasil é um dos países da América Latina que se esforça para consolidar a democracia, sem fazer rupturas. Consolidar democracia sem rupturas é uma hipótese razoável para explicar a grande dificuldade que este mesmo país tem para enfrentar, definitivamente, o problema de concentração de renda. Conforme dados da ONU em 2011, considerando a desigualdade na distribuição da renda em 187 países, apenas outros sete países apresentam pior distribuição do que o Brasil: Colômbia, Bolívia, Honduras, África do Sul, Angola, Haiti e Comoros.

Neste país, nos últimos dez anos, surgiram novos sujeitos que se proclamam os “novos pagadores das contas e dos custos sociais”: a classe média. Ouço reiteradas queixas de donos de revenda de carros, médicos, profissionais liberais, donos de construtoras, vendedores de máquinas agrícolas e produtores rurais. Estes, como nunca, tiveram acrescidos incomparáveis lastros de renda, em função de um país que decidiu investir em setores que mantiveram os empregos e o desenvolvimento econômico, aquecidos.

Queixam-se estes que o governo lhes cobra contrapartidas como parte de sua responsabilidade social. Que o imposto de renda lhes toma os ganhos reais. Que os impostos são muito altos e incompatíveis com seus negócios. Mas a queixa mais comum é a de que os impostos pagos ao governo financiam os que não trabalham. Que os programas sociais só reproduzem o ciclo dos que não querem trabalhar.  Não hesitam em chamá-los de vagabundos, preguiçosos, desvalidos, oportunistas.

Os verdadeiros oportunistas deste país são outros: os banqueiros, os políticos e empresas corruptas, os investidores das bolsas de valores. Estes últimos não geram nenhuma riqueza, porque riqueza sempre é trabalho.

Carros, saúde, imóveis, serviços, máquinas agrícolas e produtos da agricultura são bens e produtos que resultam de nossa inteligência, capacidade e trabalho. Estes, sim, geram parte importante de nossa riqueza.

Nosso país produz bem, mas não consegue incluir a todos pelo trabalho. Se não pelo trabalho, todos os brasileiros tem direito a alguma renda, que lhes garanta dignidade humana. Estes que trabalham, e produzem, não o fazem sem apoio governamental e nem sem políticas públicas que escolheram setores produtivos capazes de alavancar nossa economia. Se não o fazem sozinhos e isolados, não podem querer desfrutar egoisticamente dos seus resultados.

Como dizia Herbert de Souza, o Betinho, “a verdadeira democracia não tolera a existência de excluídos”. A riqueza que é produzida coletivamente precisa de muitas mãos, mentes e tecnologia para ser gerada. Mais justo também que seja dividida.

(Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos)


6 de mai. de 2014

Conquistas cotidianas na escola

Conquistas cotidianas na escola

Os professores e professoras do ensino básico de nossa cidade, estado e país passam diariamente por muitas dificuldades para cumprir com sua função de educar, em tempos ligeiros, complexos e cheios de incertezas. Como educador, percebi que não fazia sentido continuar “reclamando” dos educandos e educandas com os quais trabalho diariamente. Reclamo, com muita razão, da falta de estrutura e apoio que as redes de ensino não oferecem em nossas escolas. Da falta do reconhecimento do meu trabalho e pela autonomia dos professores em suas salas de aula.
Moro num país que ainda não reconheceu a educação como um valor, mas que ainda considera a mesma um gasto e, na melhor hipótese, um investimento. Sonho e luto muito para que a educação seja prioridade, que as escolas sejam de qualidade e que o trabalho dos educadores seja reconhecido por toda sociedade. Mas, cotidianamente, tenho que arregaçar as mangas, os meus pensamentos e as minhas forças criativas para realizar o melhor trabalho como professor, sem descuidar da minha responsabilidade de lutar por melhores condições de trabalho do professor e da aprendizagem dos educandos e educandas. E de me somar com as forças de toda comunidade escolar, sobretudo dos pais dos estudantes e das organizações vivas do entorno de nossas escolas.
 A postura “vitimizante” do professor, adotada por muitos colegas, cega-os para reconhecer um universo de possibilidades e intervenções cotidianas que os mesmos realizam e que fazem uma grande diferença na vida de muitos estudantes e na vida das comunidades. Nós, professores e professoras, fazemos a diferença na educação brasileira. Por isso mesmo, temos que considerar também a nossa  condição humana de “seres aprendentes”. Como aprendentes, temos que nos dispor a compreender novos contextos e novas realidades que estão em processo de mudança na nossa sociedade, principalmente na vida de nossos adolescentes e jovens.
                O direito de aprender de nossos educandos e educandas precisa ser exercido com muita responsabilidade em nossas escolas, propiciando aos mesmos os conteúdos, habilidades e atitudes historicamente construídas e acumuladas. O direito à participação, através da opinião, de consultas e de tomada de decisões deveria ser exercido permanentemente com eles. O direito à convivência saudável, organizada coletivamente no ambiente escolar, propiciaria aos adolescentes e jovens oportunidades únicas para o exercício de sujeitos sociais e interdependentes. Nossas escolas deveriam ser lugares de “vivência de direitos” e de cidadania, onde pudessem ser praticados valores como a solidariedade, os direitos humanos, o respeito às diversidades culturais, religiosas e étnicas, a camaradagem, a promoção da dignidade humana.
Não podemos esquecer que a escola é para muitos jovens o único lugar de reconhecimento social e representa, para a maioria deles, a grande oportunidade de humanização. Mas se os jovens tem o direito de aprender, os professores tem para com eles o dever de se importar. A comunidade escolar tem o dever de acompanhar e subsidiar a compreensão das distintas realidades. Os governos tem o dever de respeitar a autonomia de cada escola e de prover as melhores condições para que a mesma possa se organizar conforme a necessidade e a vontade de quem a faz. Os estudantes tem o dever de aproveitar o que as escolhas lhes oferecem.
Nós já fazemos uma escola assim, mas acreditamos pouco nos seus potenciais de humanização, inclusão, valorização e promoção de cada pessoa e de todas as pessoas que dela fazem parte. Certo é de que ninguém fará esta escola pela gente, senão a gente mesmo.
(Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos)

22 de abr. de 2014

Mestres e religiosos

Mestres e religiosos

Nei Alberto Pies *
 
Reencontrei-me com meus alunos, em mais um início de ano letivo. A maioria, já conheço, reconhecendo, com certa facilidade, as suas capacidades e também seus limites. Com certeza, também eles reconhecem e sabem das minhas capacidades e "jogam" com os meus limites, espertamente. Os alunos são muito hábeis para jogar com os limites de cada professor.
Um aluno novo, do sexto ano, fez uma constatação interessante. Logo após expor para a turma, de forma entusiasmada, o sentido do Ensino Religioso para a formação integral do ser humano e para a construção do sentido da vida, o aluno me interrogou: -O senhor deveria ser pastor ou padre -. Imediatamente, sem pensar muito, respondi: "nem padre, nem pastor ou líder religioso, eu prefiro ser professor. Se fosse padre ou pastor, falaria apenas a partir de uma religião. Como professor, posso apresentar e falar de várias religiões, sem comparar e nem desmerecer uma em detrimento de outra".
Que pilha este aluno me deu! Mais entusiasmado, conversei com os alunos sobre o que é e o que não é Ensino Religioso, pois ainda existe muita confusão de pensamentos, ideias e práticas desta disciplina. Conversamos ainda sobre a importância de conhecer as manifestações do sagrado e do Transcendente nas diferentes religiões ou tradições religiosas, com o propósito de respeitá-las.
Como em todos os inícios de ano letivo, descobri, mais uma vez, que vale muito ser professor de Ensino Religioso. O Ensino Religioso, no atual paradigma, cumpre importante papel na formação integral do ser humano, no reconhecimento das dimensões históricas, psicológicas, sociais, culturais e religiosas de cada ser humano e de todo mundo.
Mestres ou religiosos, pensei que devemos nos tornar sempre boas e respeitosas referências de vida e de conhecimento para as diferentes juventudes que estão a desabrochar. Juventudes que perguntam.Juventudes que nos desafiam. Não esqueçamos, ainda, de integrar os diferentes conceitos, habilidades e atitudes que as outras áreas do conhecimento despertam em nossos adolescentes e jovens. Não esqueçamos, também, de integrar às nossas aulas os diferentes saberes que são gerados na comunidade, nas famílias, nas ruas e no cotidiano de todos nós. O Ensino Religioso, como os demais conhecimentos, nem sempre cabem num livro, num caderno ou numa lousa. Os conhecimentos cabem mesmo é em nossas vidas!
 
* Nei Alberto Pies é professor e ativista de direitos humanos.

7 de abr. de 2014

Saber sem conviver?

Saber sem conviver?

As palavras desejam pousar. Querem fazer-se passar pela metamorfose das ações humanas. Elas movem o mundo, movem as pessoas, movem os professores e as escolas. Neste movimento das palavras, enriquecem-se os conceitos e os ideais de vida, de mundo e de humanidade. Prazer maior não há do que compartilhar conquistas de um saber aprendido e apreendido, onde protagonizam educadores e educandos. O prazer maior nas relações de ensino-aprendizagem está na construção do conhecimento como algo útil, agradável e capaz de desencadear alegria e realização. Afinal de contas, para que serve o conhecimento senão for para a felicidade?
Viver para a dignidade parece ser a razão maior de nossas vidas. Mas a dignidade humana só será conquistada por cada ser humano quando cada um e cada uma compreender sua condição de sujeito de direitos e for protagonista de sua história. É o que também podemos denominar emancipação. É por isso que uma cultura em e para os direitos humanos se faz com base na democracia, no respeito às nossas diferenças e na vivência cotidiana de nossos direitos. E a emancipação só virá acompanhada pela educação. Já disse Paulo Freire que “se a educação sozinha não transforma o mundo, sem ela nenhuma transformação acontecerá”.
Ações educativas verdadeiras apontam o caminho para que as palavras tomem assento na vida de cada um e cada uma de nós. Como diz Cecília Meireles “as palavras precisam pousar”. Elas precisam encontrar âncoras para seu pouso, pois “palavras voam, às vezes pousam”. Nem todas as palavras precisam pousar, interessa que pousem aquelas capazes de nos ensinar a viver melhor.
Sempre é tempo de aprender desaprendendo. Desaprender racionalidade para entender emoções e sentimentos. Desaprender preconceitos para construir conceitos mais significantes. Desaprender quem somos para perceber que sempre somos um quase-eu. Desfazer racionalidades para gentificar-se, através das nossas relações de amorosidade. Desaprender falar, para aprender a ouvir, no silêncio e na solidão de cada um.
Eduardo Galeano, em seu poema O Mundo, desafia a cada um e cada uma de nós, na sua condição de sujeitos de sua história e de seres, na sua diferença. Conta em seu livro, “O livro dos abraços”, que “um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas. - O mundo é isso – revelou. Um montão de gente, um mar de fogueirinhas. Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo”.
Nossa fome de saber deve traduzir-se, na prática, como busca para transformar ideias em ações. Ações em favor da humanidade que existe em cada um, em nós e em todo mundo. A nossa fome de saber é, igualmente, fome de humanidade. E o segredo de conhecer está muito ligado à necessidade de conviver. O egoísmo de não conviver gera a incompreensão de nós mesmos e dos outros. E diminui as oportunidades de felicidade, matando o desejo latente de vida, vida que morre quando não é compartilhada


Nei Alberto Pies, professor e ativista em direitos humanos.

4 de abr. de 2014

Mediações para humanizar



Mediações para humanizar

"O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: "Se eu fosse você". A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. (Rubem Alves)

Os alunos acumulam um grande déficit na escuta. Em compensação, extrapolam todos os seus limites em outra perspectiva: falar.  Os professores e professoras, por sua vez, numa sala de 20 a 30 alunos, enfrentam grande prejuízo que envolve a sua função na educação: escutar. Professores e professoras usam demasiadamente a única arma que ainda apresenta alguma eficácia: a sua voz. Esta, por sua vez, ecoa em gritos como último recurso para chamar atenção de seus conteúdos e manter a disposição dos alunos para propósitos de uma sala de aula.
Acredito nas perspectivas dialógicas da educação, mas confesso que pouco consigo fazer em um período semanal de 45 ou cinquenta minutos. Tenho experimentado, timidamente, conversar com alguns dos muitos alunos que tem frequentado nas minhas aulas. Esta conversa, no entanto, sempre precisa de alguma mediação de algum colega da escola. Geralmente converso com alunos nos intervalos chamados de “janelas” no ambiente escolar. Sinto a necessidade de conversar fora do calor das discussões e dos “nervos à flor da pele”.  Nesta hora, o professor é quem convida o aluno a conversar, numa iniciativa propositiva e positiva.
Chegar junto ao aluno para escutá-lo é um grande aprendizado. Dizer a ele que você está aí para escutar, sem julgamentos nem imposições, revela-se maneira eficaz de construir vínculos. Processos educativos que não permitem vínculos reais entre os sujeitos aprendentes não tem valor significativo para ninguém. Muito provavelmente, a grande maioria de nossos alunos não tem em suas casas uma relação dialógica de convivência, por isso mesmo convidar para o diálogo lhes causa um grande estranhamento.
Existe uma grande riqueza nas práticas de convivência humana, mas nem sempre acreditamos o suficiente nisso para nos encorajar em atitudes.  Como afirma Rubem Alves, todo mundo precisa mais de quem escuta do que quem fala bonito. A sensibilidade do autor refere ainda que os seus mais significativos aprendizados não foram ensinados através dos livros, mas “prestando atenção”. Infelizmente, nossas intervenções na vida, na convivência e nas relações interpessoais estão cada vez menos pautadas pelas vivências empíricas.
As experiências da escuta e da fala, quando significativas, revelam que devemos acreditar nos ricos processos desencadeados numa perspectiva dialógica do conhecimento. Observamos que dialogar com os alunos na perspectiva de ouvir as suas razões, sentimentos e incompreensões muda a percepção dos mesmos em relação a si, aos outros e com o mundo. Por isso mesmo, deveríamos ter a coragem e a ousadia de transformar nossas escolas em permanentes laboratórios de diálogo e de escuta, envolvendo diferentes tempos e lugares, com alunos, pais e professores. Separados ou misturados.  A nossa persistência nesta tese nos levará, inevitavelmente, a seres humanos mais humanizados e equilibrados. Humanizar-se é o maior desafio humano!

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos

19 de mar. de 2014

Participar é direito humano

Participar é direito humano
            O ano de 2014 iniciou com a democracia renovada, a partir do advento das manifestações de rua e manifestações virtuais desencadeadas a partir do ano de 2013. Podemos marcar 2014 como um momento histórico de afirmação da cidadania, através da participação, direta ou indireta, nas eleições gerais, nas manifestações pacíficas e cidadãs organizadas pela sociedade civil, nas greves e manifestações de trabalhadores por melhores condições de trabalho, nas comemorações da Copa do Mundo. 2014 lembra ainda um passado controverso e complexo de luta do povo brasileiro por cidadania e liberdade: 30 anos da luta pelas Diretas Já (1984), 50 anos do Golpe Militar (1964) e 35 anos da Lei da Anistia (1979).
            A CDHPF (Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo), em parceria com universidades e organizações sociais, deseja afirmar a participação como um dos direitos fundamentais da democracia e da vida em sociedade: a participação. Promove, mais uma vez, um evento nacional de debates sobre os desafios da implementação dos direitos humanos: o VI Colóquio Nacional de Direitos Humanos. O evento ocorrerá em Passo Fundo, nos dias 22 a 25 de abril de 2014.
            O Colóquio é dirigido a estudantes de graduação e pós-graduação de várias áreas do conhecimento, professores do ensino superior e da educação básica, profissionais de diversas áreas, lideranças de movimentos e organizações sociais. Tem por objetivo debater, de forma ampla, aberta e plural a “participação como um direito humano”, a fim de sensibilizar e comprometer a todos com a luta por sua efetivação no cotidiano de todos e de cada pessoa.
De qual participação estamos falando? Quais estratégias, fundamentos e dinâmicas serão capazes de permitir o verdadeiro protagonismo cidadão?
A participação nasce das diferentes práticas sociais, políticas e educativas que permitem a construção de “sujeitos de direitos”. Somos todos livres, autônomos e responsáveis pelas lutas e pelas conquistas de uma vida na dignidade, pela melhoria das condições de vida e de trabalho, pela ampliação dos nossos direitos, pela materialização dos direitos já conquistados.
A participação é um processo ativo, de protagonismo pessoal e coletivo, crítico, plural e que contempla os diferentes pontos de vista e interesses. Esta compreensão de participação supõe que todos, e cada um e cada uma de nós, torne-se sujeito de sua vida e de sua história, não esperando que os outros nos concedam benefícios ou privilégios, em troca de nosso silêncio ou omissão.
            A participação, junto com a liberdade de expressão e a organização são condições fundamentais para que uma sociedade crie as condições para a afirmação e vivência dos direitos humanos. Em contextos cada vez mais dominados pela lógica do consumo e da competição, abrir condições para a participação se constitui em desafio, visto que é cada vez mais forte a vigência do individualismo que vai desobrigando da participação e advogando relativismos que podem por em risco as conquistas de direitos tanto individuais quando coletivas.
            Importante lembrar que “direitos humanos são conquistas”. E conquistas não surgem da apatia, mas da disposição de cada brasileiro e cada brasileira viver plenamente o seu direito de decidir, de falar, de viver e de conviver, em todos os lugares que a cidadania nos invoque.
Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

27 de fev. de 2014

Não é crime lutar

Não é crime lutar

“A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos"
(Hannah Arendt, filósofa)
Há tempo que a criminalização daqueles e daquelas que lutam por melhores condições de dignidade humana vem sendo denunciada no Brasil e no mundo. É inaceitável, numa democracia, que a violência instituída seja aceita como normal e necessária. O Estado, instituído como guardião dos direitos, viola os mesmos quando reprime, violentamente, através das ações policiais, aqueles e aquelas que, pacificamente para buscar educação, terra, trabalho, saúde, segurança, lazer.  
Ordem, associada ao progresso, parece mover o imaginário daqueles que tem a ilusão de uma democracia ideal. A democracia acontece nas contradições, na dureza da cidadania cotidiana, difícil de ser construída. Nem todos estão convencidos de que a democracia pode conviver com uma “certa desordem”.  Como já escreveu Juremir Machado da Silva, “não existe democracia sem caos, confusão, entropia. A democracia é o sistema do dissenso. Na verdade, a democracia é um equilíbrio instável de ordem e desordem. Em alguns momentos, a desordem é mais importante do que a ordem. Tudo, claro, depende do grau de ordem e desordem”.
A criminalização é a face perversa do Estado e da sociedade que não permitem que a cidadania seja exercida na perspectiva dos “sujeitos de direitos”. Quem luta por seus direitos, e pelos direitos dos outros, é ligeiramente taxado, acusado e condenado sumariamente. Os estigmas e preconceitos sociais atribuídos àqueles que lutam anulam a vivência de uma cidadania plena e ativa.
O diálogo, em busca dos consensos possíveis, constitui a ordem democrática, muito antes das leis e das imposições arbitrárias. Quando perdemos a capacidade de escutar, de sentar à mesa para negociar, não chegamos a consensos e acordos que, mesmo que provisórios, são sempre necessários para qualquer perspectiva de avanço dos direitos em questão.
A democracia nasce das palavras, da retórica e da persuasão. Por isso mesmo, manifestar-se não pode significar só gritaria, de um lado, e repressão, de outro. Sempre é preciso colocar os pleitos à mesa, estar aberto para ouvir e dialogar. Quem responde pelo Estado, bem como quem marcha nas ruas, precisa colocar-se em movimento, para construir soluções e encaminhamentos provisórios. Ninguém sai de uma manifestação com os direitos já conquistados, mas toda manifestação pode indicar avanços para a materialização dos mesmos. Nesta perspectiva, temos todos muito que aprender. Como escreve Marcos Rolim, “a democracia que temos já não tem política. Nela, o futuro se ausentou porque as palavras não autorizam expectativas. Será preciso reinventá-la, entretanto, antes de desesperar. Porque o desespero é só silêncio e o melhor do humano é a palavra”.
Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

18 de jan. de 2014

Natal

Encontros de Natal

Que é o Natal? É a ternura do passado, o valor do presente e a esperança do futuro.
É o desejo mais sincero de do que cada xícara se encha com bênçãos ricas e eternas,
e de que cada caminho nos leve à paz”. (Agnes Pharo)

A festa de Natal permite que revivamos os dramas, as alegrias, os encontros e os desencontros familiares. As festas natalinas e de final de ano são um convite para celebrar a mágica dos nascimentos e renascimentos de nossas vidas. Quantas de nossas famílias, hoje, buscam um novo sentido e uma oportunidade para renovar os laços que as mantém ou as constituem? Quantos lares esperam muito que a celebração de mais um Natal harmonize as suas relações e renove as esperanças de que a vida pode ser melhor? Quantos filhos, pais e mães não desejariam renovar suas vidas, reinventando os seus papéis e as suas responsabilidades? Quantas coisas, num só Natal...
Vivemos num tempo em que a afirmação exagerada de nossas individualidades gera um vazio existencial muito grande e muita depressão, desgosto e desilusões. Não valorizamos como deveríamos a memória, a coletividade e a convivência. Conta mais sermos livres: sem vínculos com nada e com ninguém. Esta parece já ser uma verdade cristalizada, mas será que vale a pena acreditar nisso? Existirá outro caminho?
As famílias são cobradas por uma responsabilidade que nem sempre sozinhas conseguem arcar. As relações na família, como na sociedade, estão fragilizadas, exigindo de cada um e cada uma um maior zelo, cuidado e proteção de uns para com os outros. Por isso mesmo que as nossas famílias serão melhores na medida em que investirem mais tempo, mais amor e mais energia nas suas relações.
As famílias estão desafiadas a fortalecer as relações de convivência por todos os que as compõem. O Natal, com sua energia e inspiração, pode ser uma grande oportunidade de reconciliação das famílias. A família não é uma ideia e nem um produto para a gente oferecer como solução para os problemas do ser humano e da humanidade, mas ainda revela-se o mais completo "porto seguro” e lugar de intensa convivência e humanização. A família é a maior referência para a vida pessoal e comunitária, portanto, lugar para a realização de nossa felicidade.
O amor é a mais revolucionária das armas que a humanidade já construiu para gerar seres humanos livres, solidários, abertos, comprometidos com a defesa e promoção da vida. O amor precisa ser reinventado, assim como as formas como convivemos e nos promovemos gente/ser humano.
Promovamos, neste Natal, a família como o melhor lugar para nos fazermos gente. Acreditemos na magia que só o amor é capaz de mudar. O Natal, esta festa cristã, pode comprometer o nosso coração, a nossa alma e as nossas energias para uma vida na dignidade.
O Natal em família não é uma festa de ocasião, mas uma oportunidade para as famílias revisarem as suas relações, projetos e perspectivas. Aproveitemos o Natal para nos humanizar. Humanizar é nosso maior trabalho e desafio como ser humano. Viver sozinho e só não vale a pena! 

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

7 de jan. de 2014

O Poder dos sonhos

Poder dos sonhos

                Somos especiais porque inteligentes e capazes de fazer a diferença no mundo. Capazes de marcar as nossas vidas e as vidas dos outros através dos nossos sonhos. O ideal mesmo é quando conseguimos fazer dos sonhos projetos de vida.  Pode alguém ser feliz sem sonhar, sem projetar o que será amanhã? Como seria a vida da gente se perdêssemos a liberdade de sonhar?
17 jovens formandos do Ensino Fundamental de uma Escola Municipal de Passo Fundo me contaram dos seus sonhos. Os jovens me confessaram muitas coisas. Sobre estas coisas, manifesto o maior respeito e consideração. Acredito que, por isso mesmo, suas ricas e valiosas revelações merecem ser lidas e conhecidas por outras tantas pessoas como você e eu.
Os jovens me confessaram que querem ser bem sucedidos, que se importam muito com a sua vida, mas também com a vida dos outros. Que desejam ajudar ou salvar vidas, quando a necessidade ou a realidade exigir.  Que acreditam em seus sonhos, que desejam superar seus familiares que não conseguem lutar por seus sonhos e conquistas. Que querem independência, sem precisar de ajuda de ninguém. Que querem ser grandes homens e mulheres. Que desejam profissão, casa própria, constituir família, bom emprego.
Os jovens insistiram na ideia de serem especiais e valorizados. Contaram, contudo, que é no dia a dia que podemos ser melhores seres humanos, buscando a felicidade. Desejam liberdade, mas nem sempre sabem por onde começar para conquistá-la. Imaginam  conquistar liberdade saindo de casa, saindo de Passo Fundo ou entregando a vida nas mãos de Deus. Muitos manifestam ainda que desejam seguir sua vida acreditando na força de seus pensamentos. Alguns temem por suas escolhas. Prefeririam não precisar escolher.
Agora que me apropriei dos sonhos destes jovens, o que fazer com eles? Ao conhecer seus sonhos, agora lhes presto reverência, admiração e respeito.
Vocês jovens são e serão do tamanho dos seus sonhos. Vencerão na vida se superarem os medos que os aprisionam. Serão médicos, arquitetos, professores, atores e atrizes, bombeiros, advogados e outras tantas profissões se não abandonarem seus sonhos, em razão das dificuldades que, com certeza, virão. Não esqueçam de que não realizamos nada na vida, muito menos os nossos sonhos e desejos, sem o apoio e colaboração dos outros. Os méritos das conquistas são sempre de cada um, mas a realização só é possível porque um batalhão de gente acreditou, investiu e disse para você: “vai, você é capaz de vencer e progredir; acredite mais em você; corra atrás de seus sonhos”. Mas, independente da profissão, busquem em primeiro lugar a realização pessoal.
Todo sonho abandonado leva um pouco da gente embora. Sonhos conservados, cultivados e bem cuidados levam a gente a ser alguém. “Ser alguém” foi definido por um dos jovens como “ter seus próprios pensamentos”.  Para sonho tornar-se realidade precisa de teimosia e investimento todos os dias. Quem sonha e realiza, faz a diferença!
Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.