23 de fev. de 2015

Ensino religioso: conhecimento que gera espiritualidade.

Ensino religioso: conhecimento que gera espiritualidade.
“O traço de união que une todas as religiões é a espiritualidade”. (Adelmar Marques Marinho)

Com orgulho da profissão e responsabilidade com o conhecimento, anuncio o meu retorno às salas de aula neste ano de 2014. Desafio-me, mais uma vez, confrontar meus conhecimentos sobre a vida humana, a busca pelo Transcendente e a vivência da fé e das crenças com os conhecimentos de meus alunos que são crianças, adolescentes e jovens: seres humanos em formação.
O Ensino Religioso ministrado nas escolas públicas não é mais catequese, não é aula de religião e muito menos lugar para rezar e orar. O Ensino Religioso é a oportunidade de conhecimento das diferentes religiões com o intuito de respeitar e reconhecer as diferentes crenças e práticas religiosas que coexistem na sociedade. O objetivo é o diálogo interreligioso como pressuposto para construção de relações de respeito, reverência e paz, solidariedade e paz no mundo.
O caminho é temerário e em “terreno movediço”, pois envolve o que muitos consideram muito sagrado: sua fé. Mas o medo não pode impor pânico, senão paralisa; nos deixa sem ação. O medo é importante para a proteção, pois faz considerar os riscos de cada ação. Quando reconhecemos os outros, suas vivências e sua fé, geramos “espiritualidade”. Espiritualidade acontece quando não temo os outros; antes, associo-me a eles para juntos descobrirmos a alegria de viver conjuntamente, apesar das diferenças.
Nem padre, nem pastor ou líder religioso, sou professor! Como líder religioso, falaria apenas a partir de uma religião. Como professor, posso apresentar o conhecimento acumulado de várias religiões, sem comparar e desmerecer uma em detrimento de outra. É direito dos alunos o conhecimento das diferentes religiões. É seu direito também o conhecimento dos fundamentos de cada e de todas as tradições religiosas. Conhecer as manifestações do sagrado e do Transcendente nas diferentes religiões ou tradições religiosas tem o propósito de aprender a respeitá-las.
Ainda existe grande confusão sobre as práticas pedagógicas da disciplina do Ensino Religioso nas escolas públicas de nosso país. Bem verdade também que nem todas as redes de ensino preparam bem seus professores para trabalhar com Ensino Religioso. Por desconhecimento ou preconceito, nem sempre a comunidade entende o papel do ensino religioso nas escolas. O Ensino Religioso, no atual paradigma, cumpre importante papel na formação integral do ser humano, no reconhecimento das dimensões históricas, psicológicas, sociais, culturais e religiosas de cada ser humano e de todo mundo.
Mestres (os professores) ou religiosos (líderes das religiões) podem tornar-se importantes referências de vida e conhecimento para as diferentes juventudes que estão a desabrochar. Juventudes que perguntam. Juventudes que desafiam. Juventudes que buscam respostas e precisam de horizontes. Juventudes que revelam necessidade de religião e de espiritualidade.
É um desafio integrar os diferentes conceitos, habilidades e atitudes que as outras áreas do conhecimento despertam em nossos adolescentes e jovens. Igualmente, é desafiante integrar às aulas os diferentes saberes gerados na comunidade, nas famílias, nas ruas e no cotidiano de todos nós.
Não espalhemos, jamais, o medo de conviver! Perderemos oportunidades de compreender as diferentes percepções da vida, de religiosidade e de mundo que existem entre nós. Nada recomendável num mundo que se enche cada vez mais de religião e se esvazia de espiritualidade.
 Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

12 de fev. de 2015

Tudo e nada com Petrobrás!


Tudo e nada com Petrobrás!

“É mudando o mundo que a gente se transforma” (Frei Betto, frade dominicano)

Minha atividade social militante não me condena. Passei a vida, como muitos, defendendo bandeiras como a liberdade, o respeito aos direitos humanos fundamentais, a consolidação da democracia ativa, o acesso à cidadania através da geração de trabalho e renda, o respeito, a consideração e reverência às diferentes crenças, dentre outras. Não imagino que esta luta social, feita a tantas mentes e mãos, possa me impor qualquer responsabilidade sobre desvios éticos e morais de terceiros que se apropriaram dos bens mais sagrados: as instituições e os recursos públicos.
Sempre fui otimista com relação aos potenciais da cidadania e altivez dos brasileiros, apesar da insistente passividade que nos circunda e nos envolve cotidianamente. Nem os mais recentes e graves episódios envolvendo corrupção no Brasil abalaram minha crença nos brasileiros que, por sua diversidade e riqueza cultural, produzem uma nação gigante. Mas em função de uma intensa divulgação midiática - certamente intencionada - sobre corrupção, vivemos um tempo de “neuroses coletivas”, envolvendo conceitos, julgamentos e condenações generalizadas sem a mínima sensatez que permita o senso crítico e discernimento.
Nas redes sociais ou nos relacionamentos interpessoais há pessoas que cegaram pontos de vista, agindo estupidamente com aqueles que imaginam próximos ou coniventes aos já publicamente julgados e condenados “malfeitores da nação”. Grosseiramente, imputem a todos os lutadores sociais associação direta com estes. Desconsideram história pessoal, coletiva e organizada de milhares de pessoas que ajudaram este país a superar a vergonha da miséria e da fome, do preconceito e da discriminação, da falta de trabalho e oportunidades, da cidadania passiva (que sempre envolvia a noção de favores e não direitos).
Penso, como muitos, que poderemos passar a limpo endêmica e sistemática corrupção que grassa as relações pessoais e institucionais em nosso país. A corrupção que acontece a cada dia nas ruas, nos hospitais, nas organizações civis e de classe, nos poderes da República, na Petrobrás e demais empresas públicas e privadas pode ser enfrentada neste momento histórico.  Escolher a corrupção como um dos problemas brasileiros talvez seja o primeiro passo em direção ao seu enfrentamento, a ser efetivado todos os dias, em todos os espaços.
Eleger a Petrobrás, alguns governos ou a presidente Dilma como “bodes expiatórios” é uma forma equivocada de enfrentar o problema da corrupção no Brasil. As mudanças reais, de efetivo resultado, virão quando mudarmos a forma de pensar e organizar a vida em sociedade mudando nosso sistema político (falido e corrompido), nosso sistema econômico (excludente e seletivo), nosso sistema social (da estratificação social), nosso sistema jurídico (burocratizado e que favorece a impunidade), para citar alguns. Esta mudança exige outra postura dos cidadãos brasileiros: a vigilância, a denúncia e a cobrança por maior transparência em todos os atos e atividades que envolvem o interesse público. Exige em todos os espaços educativos: escolas, clubes, associações, sindicatos e partidos o estudo e o debate das implicações e problemas da corrupção para a nação. Exige cobrar que todos os que comprovadamente praticaram corrupção sejam punidos e que o dinheiro público seja ressarcido.
O pior a fazer é agir como expectadores, jogando como torcida: pior, melhor, mais corrupto, menos corrupto, mais ético, menos ético. Enfrentar a corrupção no Brasil deveria ser um dever cívico de todos, para o bem de toda nação brasileira.
Sou todo Petrobrás para defender a importância estratégica desta empresa para o desenvolvimento do país, mantendo-a pública, saneada e livre dos ataques predadores e privatizantes. Sou nada Petrobrás para transformá-la em “bode de sala”, mantendo tudo como está para favorecer a corrupção generalizada e a concentração da renda neste país.
Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

5 de fev. de 2015

Democracia e diversidade no Brasil

Democracia e diversidade no Brasil

"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar". (Nelson Mandela)

Sou professor da disciplina de Ensino Religioso de uma rede municipal de ensino. Por conta disso e por dever ao conhecimento, devo colaborar com o bom debate proposto pela defensora pública Alessandra Quines Cruz em artigo publicado pelo Zero Hora do dia 02 de fevereiro de 2015.  Alessandra, ao propor a relação entre discriminação, racismo e religiões acerta em algumas afirmações, mas também revela desconhecimento da realidade do ensino religioso nas escolas públicas e da legislação que rege as mesmas.
No atual momento histórico disseminam-se muitas ideias religiosas e políticas de caráter fundamentalista. Nas salas de aula, professores de ensino religioso sentem dificuldades de trabalhar o conhecimento das diferentes religiões, particularmente as de tradição africana ou indígena.  É verdade, sim, modo geral, comunidades, igrejas e algumas escolas ainda vêem, por desconhecimento ou preconceito, estas religiões de forma equivocada. Verdade também que manifestações a favor ou contra cotas dos negros nas universidades e disputas e conflitos com os indígenas, por causa das terras, acabam gerando ambiente de disputa, repulsa, ódio e negação. Por tabela, pode-se concluir que a aversão aos conhecimentos e práticas religiosas das mesmas configura forma disfarçada de discriminação aos negros ou indígenas.
A defensora Alessandra desconhece, no entanto, que existe uma legislação federal instituindo o Ensino Religioso como parte integrante da formação integral do educando, como área do conhecimento, que se fundamenta no conhecimento das diferentes religiões como pressuposto para respeitá-las. Trata-se da Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996, que assim define o Ensino Religioso: O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”Pela atual legislação, é inverdade afirmar que o “ensino religioso é largamente tolerado para religiões cristãs” nas escolas. Por outro lado, há que considerar que nem todas as redes de ensino (municipais ou estaduais) preparam bem seus professores para atuar nesta tão importante área do conhecimento.
O Ensino Religioso ministrado nas escolas públicas não é mais catequese, não é aula de religião e muito menos lugar para rezar e orar. O Ensino Religioso é a oportunidade de conhecimento das diferentes religiões com o intuito de respeitar e reconhecer as diferentes crenças e práticas religiosas que co-existem na sociedade. O objetivo é o diálogo interreligioso como pressuposto para construção de relações de respeito, reverência e paz, solidariedade e paz no mundo.
Acreditamos que o direito à diversidade precisa ser consolidado no Brasil e que religiões não devem colaborar para a “naturalização do preconceito” contra indígenas e negros. Os conhecimentos religiosos, acumulados pelas diferentes religiões, podem ajudar na construção de relações fraternas e livres. Acreditamos que, na medida em que conhecemos melhor os fundamentos e crenças de cada e de todas as religiões, seremos capazes de respeitá-las. Religião não é motivo para disputas, guerras e discriminação!

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.