2 de fev. de 2016

De nossa esperança ativa

De nossa esperança ativa

“É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não sairmos de nós”. (José Saramago, 1922-2010)

Desesperança é a palavra da hora. Editoriais de muitos jornais e revistas, artigos em sites e blogs, diferentes manifestações e compartilhamentos nas redes sociais disseminam desesperança como virtude, como imposição de uma realidade vivida em nosso país, como sintoma da atual situação política, econômica e social. No sagrado direito de perguntar, minhas indagações: a) quem está disseminando estas ideias?; b) a quem interessa a desesperança?; c) com que propósitos pregar desesperança?; d) a esperança é mesmo danosa às pessoas, às coletividades?
Nunca vi esperança como um mal do povo, ou uma ilusão pessoal ou coletiva. Muito antes pelo contrário, acredito que esperança é que nos move, é o que move a história coletiva e individual de nossa gente. Para formular considerações sobre o assunto, fui pesquisar e ler sobre esperança. Descobri que ela carrega duplo sentido. O sentido da palavra que vem do latim spes, cujo significado é “confiança em algo positivo”, um dos sentidos que a palavra carrega em português. Este sentido mais genuíno, mais original, perpetuado ao longo da história e das civilizações. Na cultura patrimonialista do Brasil, também adquiriu o sentido de expectativa, de espera. Muitas vezes, esta última concepção deturpa o que é uma virtude (confiar em algo positivo), tornando-a uma inércia, uma simples espera passiva.
Minha formação humanística e cristã sempre apontou a esperança como sentido da existência. Não consigo conceber pessoas ou grupos desprovidos de esperança. Para mim, esperança é possibilidade, é projeção, é ação para concretizar o que ainda não existe. Esperança é horizonte das lutas e das conquistas humanas. Esperança é sair de si, é sair da ilha, como propõe Saramago, justamente para melhor compreender a si mesmo e o mundo.
No caso do Brasil das últimas décadas, a esperança foi alicerçando avanços e conquistas sociais, traduzidos por mais liberdade, mais acesso à terra, saúde, cultura e educação, maiores condições de vida e dignidade, mais oportunidades de viver e experimentar cidadania, mais direitos. A esperança da maioria dos brasileiros não é passiva; é ativa porque projeta mudanças e organiza as lutas individuais e coletivas para concretizá-las. A esperança não é um slogan, mas é possibilidade concreta de mudanças projetadas na luta cotidiana, na organização, nas manifestações públicas da fé, das crenças e da cidadania.
A disseminação da desesperança, no atual momento histórico, explica-se porque há no Brasil um grupo de pessoas que nunca precisou alicerçar sua vida na “esperança ativa” que se traduz em lutas, em conquistas e em organização coletiva por melhores condições de vida e dignidade. Para estes, o Brasil sempre ofereceu “abundância” e privilégios. Na medida em que se descortinam os entendimentos e a compreensão sobre o funcionamento do próprio país, ficam mais claros os mecanismos de exploração, exclusão e alienação a que são submetidos a maioria dos brasileiros. Aí, a esperança (da mudança) da maioria passa a ser um problema.
                A esperança, no seu sentido mais genuíno, provoca mudanças a partir da organização, das lutas e das conquistas sociais. A esperança não é, para a maioria, um otimismo vazio e sem sentido. Concordo com Saramago: “não sou pessimista. O mundo é que é péssimo”.  Com esperança, somo-me a outros tantos para que continuemos mudando o mundo, para mudar-nos a nós mesmos. Com esperança, combato desesperança!


Nei Alberto Pies, professor, escritor e ativista de direitos humanos.

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